Por Brenno Ribas – Docente de Direito da Wyden
Imagine que o mundo moderno funciona como um grande quebra‑cabeça tecnológico, em que cada peça corresponde a um recurso natural essencial — minerais que vão desde o ferro-gusa usado em pontes e prédios até o lítio, que garante a energia das baterias dos nossos celulares e carros elétricos. Nos últimos anos, a corrida por essas “peças” se tornou uma verdadeira disputa geopolítica entre grandes potências: China, Estados Unidos, Rússia e, naturalmente, o Brasil, dono de parte importante desse estoque mineral.
A China desponta hoje como o maior consumidor e processador desses minérios. Pense nela como uma fábrica que precisa não só dos blocos de matéria-prima, mas também de toda a máquina de transformação — usinas de refino, montadoras de componentes e linhas de montagem de alta tecnologia. Mesmo sem ter todas as reservas de minerais, a China investiu pesado para controlar a etapa de refino de terras raras, lítio e outros elementos estratégicos. É como se ela não precisasse ter a madeira, mas tivesse construído todas as serrarias do mundo. Esse domínio permite a Pequim ditar prazos, preços e condições de exportação, influenciando indústrias globais que vão de smartphones a turbinas de avião.
Percebendo seu protagonismo, o governo chinês procurou garantir acesso estável a minérios em outros continentes. Na América Latina e na África, gigantescas jazidas foram alvo de contratos e parcerias. No Brasil, por exemplo, empresas chinesas adquiriram minas que extraem nióbio — um mineral que praticamente só existe aqui e que torna certos aços mais resistentes, para uso em turbinas e satélites. Também compraram participações em projetos de lítio e de ferro-gusa, selando acordos que permitem a elas importar grandes quantidades a preços competitivos.
Enquanto isso, os Estados Unidos, despertos para o risco de depender demais da China, passaram a valorizar seu próprio “estoque” interno e o de aliados. Imagine alguém que, diante do aumento do preço da carne no supermercado, decide voltar a criar galinhas no quintal e trocar receitas com vizinhos. Assim, os EUA aprovaram incentivos para abrir novas minas de lítio em Nevada, facilitaram licenças ambientais e financiaram usinas de refino de terras raras no país. Além disso, reforçaram acordos com Canadá e Austrália, garantindo que, se um fornecedor faltar, possam recorrer a outro. Tudo isso para não ficar à mercê de quem controla a maioria das serrarias, no nosso exemplo.
Já a Rússia, apesar de famosa por exportar petróleo e gás, vem usando seus próprios minerais como instrumento de poder. Pense nela como um restaurante que, ao ser boicotado por alguns clientes, resolve vender seus pratos mais exclusivos para quem ainda quer sair para jantar. Com sanções e restrições vindas do Ocidente, Moscou passou a ofertar metais raros e outros minérios para a China e para países da Ásia, garantindo receita e afiando alianças estratégicas. Além de redirecionar parte importante de suas exportações, a Rússia planeja aumentar sua produção de terras raras, explorando depósitos no Ártico e na Sibéria.
No meio dessa disputa está o Brasil, que poderia ser visto como um celeiro de peças raras para o quebra‑cabeça global. Somos o segundo maior produtor de minério de ferro do planeta, enviando boa parte desse metal para alimentar a indústria siderúrgica chinesa. Detemos também quase todo o nióbio explorado no mundo — matéria-prima vital para ligas metálicas de alta resistência, usadas em aviões e foguetes. E, embora nossa produção de lítio ainda seja modesta, nossas reservas estão entre as maiores do planeta, apontando para um futuro em que baterias de carros elétricos poderão carregar o selo “feito no Brasil”, com o nosso pó-de-pedra.
Essa posição de destaque traz ao país tanto oportunidades quanto desafios. De um lado, significa receita e investimentos estrangeiros, a chance de atrair tecnologia e gerar empregos qualificados na extração e no refino desses minerais. De outro, exige sabedoria na hora de negociar: depender demais de um único comprador — como a China — pode deixar o Brasil vulnerável a mudanças de preço ou interesse naquele mercado. Por isso, Brasília tem buscado, ao mesmo tempo, estreitar laços com Pequim e manter diálogo aberto com Washington e com outras potências, sem escolher apenas um lado.
Outro ponto fundamental é o equilíbrio entre desenvolvimento e preservação. Abrir novas minas em regiões ambientalmente sensíveis — como partes da Amazônia ou do Cerrado — exige cuidado redobrado. Licenciamento rigoroso, projetos de recuperação de áreas degradadas e participação das comunidades locais são passos essenciais para que a riqueza mineral não se transforme em problema social ou ambiental. Em resumo, a disputa por minérios no mundo se parece com um tabuleiro de xadrez complexo, em que cada país tenta garantir peças estratégicas antes que o adversário as tome. A China quer controlar as serrarias globais de refino; os EUA investem em galinheiros próprios e vizinhos; a Rússia aposta em ofertas exclusivas a poucos clientes; e o Brasil, com seu celeiro de minerais, precisa jogar com equilíbrio para colher os frutos sem perder autonomia — nem sacrificar suas florestas e rios. Nesse jogo, a forma como nosso país gerenciará seus recursos determinará não apenas ganhos econômicos, mas também seu lugar de voz ativa no cenário internacional nas próximas décadas.